Medo, crenças, informação e desinformação

Posted in Uncategorized on 12/07/2010 by PedroRibeiro

Falar de saúde aqui em Moçambique é muito delicado, pois ainda existe muitas crenças, misticismo e eventos tradicionais que atormentam as pessoas. Digo atormentam não querendo desrespeitar as tradições, mas sim porque muitas vezes as pessoas se confundem, muitas vezes por medo, não sabem em quem acreditar, em um Doutor ou em um curandeiro, se seguem a ciência ou a tradição. E muitas vezes, talvez por não quererem acreditar na morte, justificam muitas doenças por maldições.

SIDA aqui é bem falado, mas de forma superficial no âmbito familiar. Quando morre alguém, mesmo que saibam que essa pessoa tinha SIDA, o que contribuiu para o falecimento dessa pessoa, não se fala nem se comenta sobre o assunto. A família muitas vezes preferem ignorar os fatos a fazerem o teste, se for o caso, se tratarem.

Eu não me recordo exatamente como isso começou, mas acabei ficando a pessoa responsável pela saúde da escola. Quando algém passa mal muitos alunos procuram a mim.

Com isso, uma noite os alunos vieram falar comigo que dois alunos estavam com malária, coisa normal, não apenas na escola, mas também no cotidiano das pessoas aqui. O espanto era porque estavam realmente muito maus, com calafrios e tremedeiras.

Organizei o carro e ambos foram direcionados ao pronto socorro, onde foram atendidos e medicados para malária.

O que me espantou, foi que mesmo depois disso, um desses estudantes ainda estava ruim. Chegou a receber uma dispensa para ir para casa e assim outos hospital. Voltou com receituario de mais de cinco remédios. Paracetamol, que eles dão pra tudo aqui e mais alguns que eu não consegui identificar. O problema era que esse rapaz, que a essa altura já estava muito magro e enfraquecido, já estava doente a mais de um mês e não havia com ele nenhum diagnóstico, apenas receitas de medicamentos, dos quais ao que me pareciam, não estavam fazendo nenhum efeito.

Inconformado com isso resolvi ir pessoalmente com ele ao hospital. La chegando copnversei com a médica que nos atendeu, pois creio que por medo de testes e de saber o que poderia ter, não estava falando tudo aos médicos que haviam atendo antes. Além disso eu sabia de outro estudante que eu ja estava acompanhando que teve Tuberculose.

Com todoas essas informações, caso de TB na escola, dores nas costas e tosse. Claro, solicitamos um RX.

Ao nosso espanto, esse Raio X veio com o lado esquerdo do pumão todo branco. O susto foi tanto que refizeram o Raio X mais duas vezes para se ter certeza. Foi detectado que ele estava com líquido no pumão e que o mesmo precisava ser retirado.

A essa altura não se tinha ainda a certeza de TB ou não, mas por precaução, liguei para a escola e pedi para que preparassem todos os estudantes que dividiam quarto com o Rafael, esse estudante que estava comigo no hospital e mais os outros que dividiam quarto com o estudante Celso, o outro aluno que teve TB e ainda está sobre tratmeto.

Eu fiquei muito assustado, e os alunos, claro, ficaram mais ainda. Como á dificil se mostrar forte e seguro diante de uma situação dessas.

Sendo assim o Rafael ficou internado para a retirada do líquido e mais análises, para se ter certeza do seu diagnóstico.

Os dias que se seguiram fortam de muita tensão.

Vim ao hospital com 15 jovens aflitos e eu estava tão aflito quanto eles.

Fizeram uma breve palestra explicando um pouco mais sobre TB e o que iriamos fazer. Foram passados um hemograma e um outro exame e mais o Raio X. A chapa tiramos nesse mesmo dia, quarta-feira, mas os outros exames agendamos para sexta-feira logo cedo.

De uma certa maneira eu fui me envolvendo mais com esses alunos, conhcendo-os um pouco mais, o que para mim foi muito bom. Apesar de termos a mesma idade me respeitam muito e percebem o que eu estou fazendo por eles.

Durante esses dias, entre a internação do Rafael na terça-feira e oa resultados de todos os exames dos outros 15 alunos na sexta-feira, as visitas ao hospital foram muitas. Eu realmente não gosto de hospital. Ver o Rafael dividindo quarto com pessoas muito doentes, pessoas realmente sofrendo. ..

Mas ao menos tudo isso terminou bem. Na sexta-feira ficamos sabendo que todos os 15 alunos e eu estavamos sem TB e que o Rafael, que já havia feito duas retiradas de líquido do pumão, receberia alta no sábado, podendo seguir o tratamento de TB na escola, sem risco de contaminar os demais estudantes.

Juntamente com tudo isso eu estava coordenando a visita de quatro conselheiros para a testagem voluntária de HIV na escola, que foi no sábado. Falamos muito de HIV, doença, tratamento e a importancia de se cuidar.

Moçambique tem um índice de HIV muito alto, sendo a média nacional de 11% e Gaza, a provincia em que trabalho é com o maior índice, chegando a 25% das pessoas infectadas. Isso são dados estatisticos, tomando como base as pessoas que fizeram o teste, o que torna o valor ao meu ver, possivelmente mais elevado.

Aluna da EPF Gaza observando os índices estatísticos de soropositividade em Moçambique durante o dia de combate ao HIV aqui na Escola de Professores do Futuro.

Começamos o sábado com uma assembléia onde falei mais uma vez ma importância de se cuidarem, de se saber se está doente ou não para buscar o tratamento correto, dando ainda o exemplo do Rafael, que sofreu durante mais de um mês por não saber o que tinha, mas que agora, devido ao diagnóstico correto, estava sendo devidamente tratado e ficará bem. Depois disso os conselheiros fizeram uma palestra sobre HIV e SIDA, onde tivemos uma boa participação dos estudantes. Seguindo assim para o teste voluntário.

Aqui o medo vem com toda força. Isso porque eles sabem dos números, sabem como se transmite e principalmente sabem que se colocaram em risco, pois a infidelidade aqui é constante, principalemnte por parte dos homens, que facilmente tem no mínimo duas esposas.

O dia todo eu fiquei conversando com os estudantes para incentivá-los a fazerem o teste. Foi muito trabalho, muita conversa, conselhos, medos e por que não brincadeiras, pra esconder o medo. Mas também muita alegria ao receber o resultado negativo.

Após fazer o teste, a alegria de saber seu estado é estampada na face do futuro professor de Moçambique

Fiquei feliz pois dos 200 alunos que temos, 98 fizeram o teste.

Semana que vem teremos mais uma vez e para isso trabalharemos mais com os funcionários, professores, esperamos assim que ao menos mais 100 pessoas façam o teste no próximo sábado.

Devido a todos esses fatos, essa semana, de 4 à 11 de Julho, foi bem turbulhenta para mim e bem tensa.

Mas algo me fez muito feliz. No sábado a noite temos sempre aqui na EPF a noite cultural, que é uma “festa” para descontrair os estudantes, organizada pelos mesmos e nesta noite os alunos, amigos do Rafael, aqueles mesmos que foram comigo ao hopital, fizeram um gesto de boas vindas para o amigo que estava internado e o mesmo agradeceu à todos pela energia, carinho e apoio que recebeu. Foi realmente muito bonito.

Tippy Tap

Posted in Uncategorized on 05/07/2010 by PedroRibeiro
Professor Armando estreando o Tippy Tap que construimos na escola primária de Nwachicoluane.

Tippy Tap é uma engenhoca que disponibiliza água e sabão para poder lavar as mãos. Neste caso, após apresentar teoricamente como era a engenhoca, eu e os meus alunos, que estão fazendo estágio na escola primária do terceiro bairro daqui em Nwachicoluane, resolvemos construir de inicio dois. Um próximo às casas de banho (banheiros) e outro próximo da “cozinha”, área externa onde cozinha-se soja , nada mais do que umas pedras para apoiarem a panela sobre o fogo. Dessa maneira as crianças agora podem lavar as mãos após usarem a casa de banho e antes de comerem.

O sistema de construção do Tippy Tap é bem simples, o que de certa maneira colocou meus alunos um pouco descrentes a priori…rsrs Mas fiquei super feliz com o resultado final… e em ver as crianças lavando as mãos antes de comerem.
No começo as crianças se amontoavam, empurravam umas as outras, mas nada que um pouco de ordem não resolva. Conversei com os professores, meus alunos, e disse a eles que cada um era responsável pela sua turma, que deveriam acompanha-la durante a lavagem de mão e entrega da soja, de forma a organiza-los e ensina-los como deve ser feito.
A priori resolveu. Espero que isso prossiga por mais tempo.
Enfim… essa realmente foi uma simples ação que me deu muita alegria.
:D:D:D
OBS: Esse post deveria ter sido feito a um mês a traz.. mas enfim… aqui está.
Depois desse dia, onde construímos e eu instrui os professores como fazer e também a importância de encher o galão com água logo cedo para que o Tippy Tap funcione, voltei na escola mais algumas vezes. Infelizmente o que eu vi não foi o que eu esperava.
Muitas vezes os professores apenas colocavam o Tippy Tap pra funcionar quando eu falava, um pouco antes do intervalo da soja, as crianças desorganizadas… mas enfim… continuo a insistir e espero que eles possam fazer tudo sozinhos antes de eu voltar ao Brasil.

Afinal… a que vim!?!

Posted in Uncategorized on 08/06/2010 by PedroRibeiro

Muitas das pessoas que eu converso e que de certa maneira me acompanham por aqui não sabem ao certo o que vim fazer aqui em Moçambique, pois bem… vamos ver se consigo explicar.
Aqui eu trabalho como voluntário em um projeto da organização Humana aqui em Moçambique, projeto esse que se chama EPF – Escola de Professores do Futuro. É um projeto que está submetido ao Ministério da Educação daqui, tendo assim a nossa grade curricular e atividades aprovadas pelo mesmo.
A escola é em sistema de internato, onde temos 206 jovens, com uma média de 19 a 25 anos, homens e mulheres, maioria mulheres, que vieram em busca de uma formação e principalmente em busca de um futuro emprego.
A maioria desses jovens não escolheram essa escola porque realmente querem ser professores, mas sim, por ser uma forma de conseguirem emprego em um país que tem a sua base econômica a agricultura.
Aqui eles aprendem a planificar aulas e métodos pedagógicos. Não quero eu, como um estrangeiro branco vir aqui para dizer que eles fazem tudo errado e que a minha maneira é a correta, até porque eu nem tenho conhecimento pedagógico para tal, mas eu acredito que ainda temos muito o que melhorar por aqui.
Eu como voluntário vim exatamente para ajuda-los nisso, trazendo novas visões, novas ferramentas pedagógicas, novos questionamentos e tento, a todo momento, mostrar a importância que essa futura provissão que os aguarda tem e fazer com que os mesmo se preparem da melhor maneira possível para esse grande desafio.
Desafio sim, pois esses meus alunos trabalharão em áreas rurais onde a maioria das pessoas não fala português, e o nível de analfabetismo é alto. Trabalharão em ambientes precários, com crianças descalças, sem materiais como um simples lápis e caderno.
Ter que criar maneiras de incrementar uma aula sem dispor de nenhum material. Uma simples folha A4 é dificil de se conseguir.
Eu, quando chegei, vim com a proposta de realizar algumas atividades com os alunos de forma a gerar pra eles um material que os mesmos possam levar consigo. Com exemplo de atividades recreativas, estórias infantis, músicas e outras coisas. Por hora, devido a maneira como eu estava realizando, acredito que o resultado não estava sendo muito positivo e por isso, a partir dessa semana, começarei a trabalhar de outra maneira, mais presente e espero ser mais efetiva.
A rotina aqui não é fácil e muitas vezes nos esbarramos na burocracia e na falta de material, coisa que venho aprendendo a lidar.
Mas de qualquer maneira, quando vemos algum resultado, por menor que seja, é muito gratificante.
Tenho acompanhado alguns alunos nas Práticas Pedagógicas, que são estágios. Algumas escolas primárias aqui da região, a mais distante fica a 11 km da EPF, estão sendo utilizadas como base para o treinamento práticos desses alunos.
Eu estou acompanhando 15 estudantes em uma escola a 5km da EPF, escola primária que tem aulas da 1 à 5 série. Nessa escola, acompanhando mais de perto o dia-a-dia, consegui ver melhor a realidade da alfabetização nas áreas rurais de Moçambique onde muitas crianças, mesmo estando em classes avançadas como quartas e quintas séries, ainda não sabem ler e escrever.

Aluna da terceira série da Escola Primária do Terceiro bairro de Nwachicoluane

Minha primeira visita à uma sala de aula da 1ª série

Posted in Uncategorized with tags , , , , , , , , , , , on 06/04/2010 by PedroRibeiro

Acordei às 4:00 para tomar um banho e comer alguma coisa antes de sair de casa às 5:00 rumo a EPF, onde iríamos nos encontrar com os alunos para irmos até uma escola em Conhane, a 8km de distância. Os alunos possuem bicicletas, mas eu e Kaho ainda não, o que nos obriga a fazer o percurso a pé.
A priori a paisagem e o clima são bem favoráveis, vemos o sol amanhecer na nossa frente, mas após 30 minutos de caminhada, como era de se esperar, o calor já começou a esquentar nossas cabeças.
Em uma estrada de terra com machambas (plantações de arroz) dos dois lados de vez em quando surgiam algumas casas ou pequenos aglomerados de casas feitas de palha ou de pau-a-pique.
Encontramos também com algumas pessoas no caminho oposto ao nosso, indo trabalhar nas machambas. Em sua maioria mulheres, carregando enchadas e outras ferramentas sob suas cabeças.
No meio do caminho encontramos com duas crianças, um garoto com 12 anos e sua irmã com 8, ambos indo para a mesma 2 classe. Ele descalço e ela com um vestidinho uns 3 números maior do que o seu tamanho. Caminhavam em passos lentos, porem constantes. Ela carregava seu material em uma sacola plástica, dessas de supermercado e ele em uma modesta mochila.
Eles nos indicaram o caminho e passamos a segui-los saindo assim da “ estrada” e adentrando em uma vila. Por entre os caminhos e casas fomos entre comprimentos e olhares caminhando ate chegarmos na escola.
Um prédio de dois andares feito de blocos em um terreno amplo de terra batida, uma grande árvore gera sombra e apoio as bicicletas dos professores. Todo o prédio sem acabamento, sendo o chão em cimento queimado e as paredes com os blocos a vista e mesmo com duas janelas e a porta aberta as salas são um pouco escuras.
A turma da primeira classe tinha 53 crianças, com idades diversas de 6 a 10 anos e cada carteira era dividida entre 3 a 4 crianças, muitas delas se perdiam nas carteiras, não alcançando os pés no chão e escrevendo com dificuldade devido a altura do apoio dos cadernos.
Na lousa a professora iniciava a aula, sobre os números 1, 2 e 3. A aula se passa inteira sobre esses números sendo trabalhada a repetição oral e escrita. Muitas crianças não prestam atenção no que a professora fala, muitas devido a dificuldade de compreender o português, língua utilizada pela professora por toda a aula.
Quando a professora apontava os números na lousa e pedia para que todos repetissem, Um, Dois, Três, muitas crianças repetiam os sons, mas sem mesmo olhar para frente, cantando os sons como que automaticamente, repetindo sempre os mesmos sons na mesma sequencia e no mesmo ritmo.
Algumas crianças foram chamadas ao quadro para escreverem os números, em sua maioria, sem sucesso.
Na segunda aula, de língua portuguesa foram ensinados as vogais e alguns hiatos. O sistema de ensino foi o mesmo, repetindo também o grau de compreensão e envolvimento das crianças.
Realmente não e fácil ministrar uma aula com uma turma de mais de 50 crianças com diferentes idades em outro idioma.
Como conseguir a atenção das mesmas? Como fazer com que elas assimilem o conteúdo?
A pergunta continua no ar. Espero que consiga achar algumas soluções com os meus alunos para que esses possam melhorar as aulas futuras por aqui.

Maputo…

Posted in Uncategorized with tags , , , , , on 06/04/2010 by PedroRibeiro

Essa foi a minha segunda vez em Maputo, capital de Moçambique. Dessa vez pude ficar por mais tempo e conhecer melhor, andando pelas suas ruas e avenidas.
Maputo é uma cidade muito interessante, ao mesmo tempo que ainda é muito suja e desorganizada, com um transito caótico e desrespeitado, onde chapas (meio de transporte coletivo que é feito por vans bem velhas caindo aos pedaços importadas do Japão em sua maioria) disputam espaços com Hylux e outros carros e pick-ups de grande porte e sofisticadas, vededores ambulantes por toda parte vendendo roupas, livros, calçados, frutas, verduras e legumes, artezanatos, óculos de sol e adaptadores de tomada, temos também lojas da Beneton, Hugo Boss e Levis.
O mal cheiro também a presente em vários lugares da cidade, seja pelo lixo acumulado nas ruas e calçadas ou pelo esgoto que corre.
Mas apesar de toda essa pobreza aparente eu não presenciei muitos pedintes ou moradores de rua, a grande maioria das pessoas que se encontravam nas calçadas estavam trabalhando, um trabalho bem informal, como vendedores ambulantes, mas trabalhando.
Por ser mulungo (homem branco em changana, dialeto da região sul de Moçambique), as pessoas pensam que sou turista e com dinheiro e tentam me vender tudo a todo custo, chegam a me acompanhar pos mais de 5 quarteirões tentando uma negociação de preço mesmo que eu já tenha dito que não quero comprar.
Pelo mesmo motivo a venda sempre começa com um preço elevado, com um pouco de paciência pode-se chegar a pelo menos a metade do preço inicial.
A arquitetura é um mix de prédios antigos com vários apartamentos com suas grades e varais nas janelas e prédios mais antigos ainda queimados, abandonados e destruidos, aparentemente da época do colonialismo português. Em sua maioria com a pintura por descascar a cidade no geral parece mal cuidada.
Na ultima sexta-feira do mês por ser dia de pagamento o movimento na cidade aumenta e com as devidas proporções o caos. As caixas eletrônicoa da ATM, onde parece que todos sacam seus salários, ficam com filas enormes, me lembrou a época do Banespa no Brasil. O número de ambulantes também parece que triplica, assim como a agrecividade nas vendas e a diversidade de utencílios diversos oferecidos.
Toda essa massificação e aglomeração de pessoas nas chapas e calçadas fica ainda melhor com o calor de 38º a 42º e claro, suor.