Falar de saúde aqui em Moçambique é muito delicado, pois ainda existe muitas crenças, misticismo e eventos tradicionais que atormentam as pessoas. Digo atormentam não querendo desrespeitar as tradições, mas sim porque muitas vezes as pessoas se confundem, muitas vezes por medo, não sabem em quem acreditar, em um Doutor ou em um curandeiro, se seguem a ciência ou a tradição. E muitas vezes, talvez por não quererem acreditar na morte, justificam muitas doenças por maldições.
SIDA aqui é bem falado, mas de forma superficial no âmbito familiar. Quando morre alguém, mesmo que saibam que essa pessoa tinha SIDA, o que contribuiu para o falecimento dessa pessoa, não se fala nem se comenta sobre o assunto. A família muitas vezes preferem ignorar os fatos a fazerem o teste, se for o caso, se tratarem.
Eu não me recordo exatamente como isso começou, mas acabei ficando a pessoa responsável pela saúde da escola. Quando algém passa mal muitos alunos procuram a mim.
Com isso, uma noite os alunos vieram falar comigo que dois alunos estavam com malária, coisa normal, não apenas na escola, mas também no cotidiano das pessoas aqui. O espanto era porque estavam realmente muito maus, com calafrios e tremedeiras.
Organizei o carro e ambos foram direcionados ao pronto socorro, onde foram atendidos e medicados para malária.
O que me espantou, foi que mesmo depois disso, um desses estudantes ainda estava ruim. Chegou a receber uma dispensa para ir para casa e assim outos hospital. Voltou com receituario de mais de cinco remédios. Paracetamol, que eles dão pra tudo aqui e mais alguns que eu não consegui identificar. O problema era que esse rapaz, que a essa altura já estava muito magro e enfraquecido, já estava doente a mais de um mês e não havia com ele nenhum diagnóstico, apenas receitas de medicamentos, dos quais ao que me pareciam, não estavam fazendo nenhum efeito.
Inconformado com isso resolvi ir pessoalmente com ele ao hospital. La chegando copnversei com a médica que nos atendeu, pois creio que por medo de testes e de saber o que poderia ter, não estava falando tudo aos médicos que haviam atendo antes. Além disso eu sabia de outro estudante que eu ja estava acompanhando que teve Tuberculose.
Com todoas essas informações, caso de TB na escola, dores nas costas e tosse. Claro, solicitamos um RX.
Ao nosso espanto, esse Raio X veio com o lado esquerdo do pumão todo branco. O susto foi tanto que refizeram o Raio X mais duas vezes para se ter certeza. Foi detectado que ele estava com líquido no pumão e que o mesmo precisava ser retirado.
A essa altura não se tinha ainda a certeza de TB ou não, mas por precaução, liguei para a escola e pedi para que preparassem todos os estudantes que dividiam quarto com o Rafael, esse estudante que estava comigo no hospital e mais os outros que dividiam quarto com o estudante Celso, o outro aluno que teve TB e ainda está sobre tratmeto.
Eu fiquei muito assustado, e os alunos, claro, ficaram mais ainda. Como á dificil se mostrar forte e seguro diante de uma situação dessas.
Sendo assim o Rafael ficou internado para a retirada do líquido e mais análises, para se ter certeza do seu diagnóstico.
Os dias que se seguiram fortam de muita tensão.
Vim ao hospital com 15 jovens aflitos e eu estava tão aflito quanto eles.
Fizeram uma breve palestra explicando um pouco mais sobre TB e o que iriamos fazer. Foram passados um hemograma e um outro exame e mais o Raio X. A chapa tiramos nesse mesmo dia, quarta-feira, mas os outros exames agendamos para sexta-feira logo cedo.
De uma certa maneira eu fui me envolvendo mais com esses alunos, conhcendo-os um pouco mais, o que para mim foi muito bom. Apesar de termos a mesma idade me respeitam muito e percebem o que eu estou fazendo por eles.
Durante esses dias, entre a internação do Rafael na terça-feira e oa resultados de todos os exames dos outros 15 alunos na sexta-feira, as visitas ao hospital foram muitas. Eu realmente não gosto de hospital. Ver o Rafael dividindo quarto com pessoas muito doentes, pessoas realmente sofrendo. ..
Mas ao menos tudo isso terminou bem. Na sexta-feira ficamos sabendo que todos os 15 alunos e eu estavamos sem TB e que o Rafael, que já havia feito duas retiradas de líquido do pumão, receberia alta no sábado, podendo seguir o tratamento de TB na escola, sem risco de contaminar os demais estudantes.
Juntamente com tudo isso eu estava coordenando a visita de quatro conselheiros para a testagem voluntária de HIV na escola, que foi no sábado. Falamos muito de HIV, doença, tratamento e a importancia de se cuidar.
Moçambique tem um índice de HIV muito alto, sendo a média nacional de 11% e Gaza, a provincia em que trabalho é com o maior índice, chegando a 25% das pessoas infectadas. Isso são dados estatisticos, tomando como base as pessoas que fizeram o teste, o que torna o valor ao meu ver, possivelmente mais elevado.
Começamos o sábado com uma assembléia onde falei mais uma vez ma importância de se cuidarem, de se saber se está doente ou não para buscar o tratamento correto, dando ainda o exemplo do Rafael, que sofreu durante mais de um mês por não saber o que tinha, mas que agora, devido ao diagnóstico correto, estava sendo devidamente tratado e ficará bem. Depois disso os conselheiros fizeram uma palestra sobre HIV e SIDA, onde tivemos uma boa participação dos estudantes. Seguindo assim para o teste voluntário.
Aqui o medo vem com toda força. Isso porque eles sabem dos números, sabem como se transmite e principalmente sabem que se colocaram em risco, pois a infidelidade aqui é constante, principalemnte por parte dos homens, que facilmente tem no mínimo duas esposas.
O dia todo eu fiquei conversando com os estudantes para incentivá-los a fazerem o teste. Foi muito trabalho, muita conversa, conselhos, medos e por que não brincadeiras, pra esconder o medo. Mas também muita alegria ao receber o resultado negativo.
Fiquei feliz pois dos 200 alunos que temos, 98 fizeram o teste.
Semana que vem teremos mais uma vez e para isso trabalharemos mais com os funcionários, professores, esperamos assim que ao menos mais 100 pessoas façam o teste no próximo sábado.
Devido a todos esses fatos, essa semana, de 4 à 11 de Julho, foi bem turbulhenta para mim e bem tensa.
Mas algo me fez muito feliz. No sábado a noite temos sempre aqui na EPF a noite cultural, que é uma “festa” para descontrair os estudantes, organizada pelos mesmos e nesta noite os alunos, amigos do Rafael, aqueles mesmos que foram comigo ao hopital, fizeram um gesto de boas vindas para o amigo que estava internado e o mesmo agradeceu à todos pela energia, carinho e apoio que recebeu. Foi realmente muito bonito.